A NOITE NA ILHA (Pablo Neruda)


Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha,
selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Talvez bem tarde nossos sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.

Talvez teu sono se separou do meu
e pelo mar escuro me procurava como antes,
quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado,
e teus olhos buscavam o que agora - pão,vinho,amor e cólera -
te dou, cheias as mãos, porque tu és a taça
que só esperava os dons da minha vida.

Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto, e no meio da sombra
meu braço rodeava tua cintura
nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.

Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca saída de teu sono
me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

VERDADES ( Rabindranath Tagore)



Roubo de hoje a força
Fazendo nascer o amanhã,
Da janela acompanho com o olhar
As nuvens do céu.
De novo a sombra sinistra 
Tolda tristemente meus sonhos.

Tua imagem me acompanha
Por todos os lugares por onde ando.
E em todos os momentos.
É a tua presença que espanta
As brumas do desconhecido.

Não faço perguntas,
Tenho medo das respostas que já sei.
Liberta do invólucro físico
Devolverei a matéria ao pó de que fora feito.

Vivi meus tres caminhos na terra:
Purgatório, Inferno, Céu.
Tudo de acordo com meus projetos,
Minhas atitudes,
Procurando não cair nos mesmos erros.

Agora vago e espero
Entre tropeços e flagelos
O ressurgir da Verdade.

MINHA CANÇÃO ( Rabindranath Tagore)



Minha canção te envolverá com sua música,
Como os abraços sublimes do amor.
Tocará o teu rosto como um beijo de graças.

Quando estiveres só,
Se sentará a teu lado e te falará ao ouvido.

Minha canção será como asas para os teus sonhos
e elevará teu coração até o infinito.

Quando a noite escurecer o teu caminho,
Minha canção brilhará sobre ti como estrela fiel.

Se fixará nos teus lindos olhos
e guiará teu olhar até a alma das coisas.

Quando minha voz se calar para sempre,
Minha canção te seguirá em teus pensamentos....


FLOR DE LÓTUS ( Rabindranath Tagore)



No dia em que a flor de lótus desabrochou,
A minha mente vagava,
E eu  não a percebi.
Minha cesta estava vazia.
E a flor ficou esquecida.

Somente agora e novamente,
Uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho
Sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.

Essa vaga doçura 
Fez o meu coração doer de saudades.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão,
Procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim,
Que ela era minha,
E que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.

O CONSTANTE DIÁLOGO (Carlos Drummond de Andrade )

           


         Há tantos diálogos.

   Diálogo com o ser amado,
                               o semelhante,
                          o diferente,
                              o indiferente,
                     o oposto,
                             o adversário,
                                 o surdo-mudo,
                          o possesso,
                             o irracional,
                       o vegetal,
                         o mineral,
                               o inominado.

          Diálogo consigo mesmo;
                  com a noite,
                                os astros,
                                  os mortos,
                                as idéias,
                              o sonho,
                                   o passado,
                                                  o mais que futuro.

          Escolhe teu diálogo e,
                    tua melhor palavra ou,
               teu melhor silêncio.
                             
Mesmo no silêncio, e,
                                            com o silêncio dialogamos.

NEM TEMPO, NEM ESPAÇO (Neimar de Barros )



Talvez você não saiba como nasceu...
Nem eu, nem você saibamos,
Somos analfabetos em reminiscências e profecias,
Por isso nos importamos apenas em tocar o barco!

E foi na curva do Rio da Vida
que a canoa  balançou
e nossos corpos se juntaram.
Houve o abraço e sentimos o calor,
ou melhor, vivemos o calor um do outro...

A partir daí não houve mais adeus,
esquecemos nossas diferenças, nossos defeitos,
e começamos a amoldar-nos.

Passamos a viver mais aquilo que estava dentro de nós,
do que aquilo que estava em volta de nós!

Por isso muitas vezes fomos pegos calados,
Admirando a interioridade de cada um.
E o sentimento livre, espontâneo,
foi realizando-se platonicamente.

Hoje eu rio com seu riso
e choro com seus olhos.

Hoje qualquer força maior poderá nos separar físicamente,
Mas fracassará na alma
Porque nos tornamos UM !

Não morrerei se você tiver que partir,
E talvez nem lamente em desespero,
Porque o amor é justamente a aceitação
E estamos repletos, nossos potes estão cheios !

A distância jamais será separação,
Ou causa de masoquismo,
Pois, para nós, que amamos realmente,
Não existe tempo, nem espaço,
O Amor é abstrato,
Caminha invisível dentro da gente,
Abstrato...
Como a hora e o lugar onde nossas almas confabulam !

POEMA ( Edward Estlin Cummings -Tradução:Augusto de Campos)



Nalgum lugar em que eu nunca estive,
Alegremente além de qualquer experiência,
teus olhos têm o teu silêncio:
No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar,
porque estão demasiado perto.

Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos.

Nalgum lugar me abres sempre pétala por pétala,
Como a primavera abre 
(tocando sutilmente, misteriosamente)
a sua primeira rosa.

Ou se quiseres me ver fechado,
eu e minha vida nos fecharemos belamente,
de repente, assim como o coração desta flor imagina,
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte.

Nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:
cuja textura compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira.

(Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre;
só uma parte de mim compreende
que a voz de teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas.

QUERO (Carlos Drummond de Andrade)


Quero que todos os dias do ano,
todos os dias da vida,
de meia em meia hora,
de 5 em 5 minutos,
me digas: Eu Te Amo!

Ouvindo-te dizer: Eu Te Amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior,
e no seguinte,
Como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão,
quemeamasquemeamasquemeamas.
Do contrário evapora-se a amação,
pois ao não dizer: Eu Te Amo,
desmentes,
apagas teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra.
Nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
Amor na raiz da palavra,
e na sua emissão,
Amor... saltando da língua nacional,
Amor...feito som,
Vibração espacial!

No momento em que não me dizes: Eu Te Amo,
inexoravelmente sei,
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido,
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante
que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

VAIDADE (Florbela Espanca)



Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidão !

Sonho que um verso meu tem claridade,
Para encher todo o mundo, e que deleita
Mesmo aqueles  que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !

Sonho que sou alguém cá neste mundo
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !

E quanto mais no céu eu vou sonhando,
E quanto mais no alto  ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada !

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