SABER VIVER (Cora Coralina)






Não sei... se a vida é curta, 
Ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.


Muitas vezes basta ser:

colo que acolhe,

braço que envolve,

palavra que conforta,

silêncio que respeita,

alegria que contagia,

lágrima que corre,

olhar que sacia,

amor que promove.


E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida!


É o que faz com que ela
não seja nem curta, 
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura..
enquanto durar!


RECADO AOS AMIGOS DISTANTES (Cecília Meirelles)







Meus companheiros amados,
Não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.


Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.


Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.


Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.


Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha esperança.

CANÇÃO DO TAMOIO (GONÇALVES DIAS )






Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
VIVER É LUTAR!
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.


Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou Tapir.


DEIXA QUE O OLHAR DO MUNDO ENFIM DEVASSE (Olavo Bilac)







Deixa que o olhar do mundo enfim devasse,
Teu grande Amor que é  teu maior segredo!
Que teria perdido, se, mais cedo, 
Todo o afeto que sentes se mostrasse?


Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.


Olha: Não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo.


Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.


NEL MEZZO DEL CAMIN... (Olavo Bilac)








Cheguei. Chegaste.Vinhas Fatigada.
E triste, triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha.


E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que  teu olhar continha.


Hoje, segues de novo.. na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece
Nem te comove a dor da despedida.


E eu, solitário, volto a face, e tremo
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

OUVIR ESTRELAS (Olavo Bilac, "Poesias, Via Láctea")







"Ora  (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...



E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.



Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas ?  Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"



E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender  estrelas!"


LUA ADVERSA ( Cecília Meireles, in "Vaga Música")







Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
Fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida !
Perdição da vida minha !
Tenho fases de ser tua,
Tenho outras de ser sozinha.


Fases que vão e que vêm..
No secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para  meu uso..


E roda a melancolia,
seu interminável fuso!


Não me encontro com ninguém..
(tenho fases, como a lua..) .
No dia de alguém ser meu,
Não é dia de eu ser sua!
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


NIRVANA ( Antero de Quental )





Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem Anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;



Poder viver  em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos,
Indiferente ao bem e às falsidades;
Confundindo chacais e passarinhos;



Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado,
A vida olhar como através de um sonho;


Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!








O AMOR (Segundo Caio Fernando Abreu"Pequenas Epifanias")







Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você..
Mais de tardezinha que de manhã,
Mais naqueles dias que parecem poeira assenta
e com mais força quando a noite avança..
Não são pensamentos escuros, 
embora noturnos..
                Sabe, eu me perguntava até que ponto
         você era aquilo que eu via em você
                              ou apenas aquilo que eu queria ver em você..
Eu queria saber até que ponto 
você não era apenas uma projeção
daquilo que eu sentia, e se era assim, 
até quando eu conseguiria ver em você
todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo,
sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas,
e pensava que amar era só conseguir ver,
e desamar era não mais conseguir ver, entende ?
Eu quis tanto ser a tua paz,
                             quis tanto que você fosse o meu encontro.
      Quis tanto dar, tanto receber..
       Quis precisar, sem exigências..
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende ?
Não queria pedir mais do que você tinha,
assim como eu não daria mais do que dispunha,
por limitação humana..
Mas o que tinha, era seu..

Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente ?

                                     Melhor interromper o processo em meio:
     quando se conhece o fim,
                                  quando se sabe que doerá muito mais - 
Por que ir em frente ?
Não há sentido: 
Melhor escapar deixando uma lembrança qualquer...
lenço esquecido numa gaveta..
camisa jogada na cadeira, uma fotografia..
Qualquer coisa que depois de muito tempo
a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por que..
                  Melhor do que não sobrar nada,
          e que esse nada seja áspero 
      como um tempo perdido..
Tinha terminado, então. 
Porque a gente, alguma coisa dentro da gente,
sempre sabe exatamente quando termina.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas.
Uma lembrança boa de você,
uma vontade de cuidar melhor de mim,
de ser melhor para mim e para os outros.
                 De não morrer, de não sufocar,
                            de continuar sentindo encantamento
                                          por alguma outra pessoa que o futuro trará,
                                  porque sempre traz,e então não repetir 
                            nenhum comportamento....Ser novo.
Mesmo que a gente se perca, não importa.
Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro.
Mas que seja bom o que vier,
para você, para mim..
                         Te escrevo, enfim, me ocorre agora,
                                              porque nem você nem eu somos descartáveis.
E eu acho que é por isso que te escrevo,
para cuidar de ti, para cuidar de mim,
para não querer, violentamente não querer de maneira alguma
ficar na sua memória, seu coração,
sua cabeça, como uma sombra escura..










PARA ATRAVESSAR CONTIGO O DESERTO DO MUNDO (Sophia de Mello Breyner Andressen)










Para atravessar contigo o deserto do mundo,
Para enfrentarmos juntos o terror da morte,
Para ver a verdade, para perder o medo,
Ao lado dos teus passos caminhei.


Por ti deixei meu reino, meu segredo,
Minha rápida noite, meu silêncio,
Minha pérola redonda e seu oriente,
Meu espelho, minha vida, minha imagem,
E abandonei os jardins do paraíso.


Cá fora à luz sem véu do dia duro,
Sem os espelhos vi que estava nua,
E ao descampado se chamava tempo.


Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.

( "Livro Sexto" - Sophia M.B. Andressen)

ILUSÃO PERDIDA ( Pablo Neruda )








Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude,
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.


Depois de um amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado


na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto
Fiz-te doçura do meu coração,


agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.



PERDI OS MEUS FANTÁSTICOS CASTELOS ( Florbela Espanca)





Perdi meus fantásticos castelos,
Como névoa distante que se esfuma..
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los..
Quebrei as minhas lanças uma a uma !


Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
Tantos escolhos! Quem podia vê-los ?
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma...


Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu  corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...


Sobem-me aos lábios súplicas estranhas
Sobre o meu coração pesam  montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias ...


CORAÇÃO CONFIANTE ( Cruz e Sousa )




O coração que sente vai sozinho,
Arrebatado, sem pavor, sem medo,
Leva dentro de si raro segredo,
Que lhe serve de guia no caminho...



Vai no alvoroço,  no celeste vinho,
Da luz os bosques acordando cedo..
Quando de cada  trêmulo arvoredo,
Parte o sonoro e matinal carinho...



E o coração vai nobre e vai confiante...
Festivo como a flâmula  radiante,
Agitada bizarra pelos ventos..



Vai palpitando, ardente, emocionado,
O velho coração arrebatado
Preso por loucos arrebatamentos !







CANÇÃO DA ESCUTA ( Lya Luft )







O sonho na prateleira
me olha com seu ar
de boneco quebrado.


Passo diante dele muitas vezes,
E sorrimos um para o outro,
Cúmplices.. de nossos desastres cotidianos.


Mas quando o pego no colo,
(como às bonecas tão antigamente)
para avaliar se tem conserto,
ou se ficará para sempre como está,
sinto sem estranheza 
que dentro dele ainda bate
um pequeno tambor obstinado
e marca - timidamente -
um doce ritmo nos meus passos.

ADEUS ( Eugenio de Andrade )





Já gastamos as palavras pela rua,Meu Amor...
e o que  nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes..
Gastamos tudo, menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos à força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras das esquinas,
em esperas inúteis..



Meto as mãos nas algibeiras 
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar!


Às vezes tu dizias: 
Os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava..
Acreditava,
 porque ao teu lado,
todas as coisas eram possíveis..


Mas isso era no tempo dos segredos..
 no tempo em que o teu corpo era um aquário!
No tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes!
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade..
Uns olhos como todos os outros!


Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: Meu Amor..
Já  não se  passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração..


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um  trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas...


Adeus.

AMOR DE MENTIRAS ( J.G.de Araujo Jorge )



Eram beijos de fogo..eram de larvas,
E sabiam a sonhos e ambrosias..
Como pensar que  a boca com que os davas
Era a mesma, afinal, com que mentias ?!


Se eras a mais humilde das escravas,
Em dádivas, anseios, alegrias..
Como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?!


Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo..
que acendia em teus olhos duas piras ?!


E descobrir.. no instante em que me amavas..
Que em tua boca ansiosa misturavas
Ao mesmo tempo beijos e mentiras ?!


Eram brancas as mãos..brancas e puras..
Mãos de lã..de pelúcia..mãos amadas..
Como prever..vendo-as fazer ternuras,
Que nas unhas traziam emboscadas ?!


Era tão doce o olhar..em conjeturas
felizes..e em promessas impensadas...
Como enxergar,  portanto, as amarguras..
E as frias traições nele guardadas ?!


Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços..e adorava..
E a outra.. uma impostora..se mantinha ausente..


E, afinal, como ver, nessa alegria..
Que o amor que tanta vida me ofertava..
Seria o mesmo que me mataria ?!




Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...